segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Cadeira



Lembro-me tão bem quando me vieram buscar. Ainda tinha o aroma fresco da madeira e do verniz e o veludo suave ao toque de cada mão.
Colocaram-me perto da janela mas não muito distante da lareira. E a partir daquele dia tornei-me parte da família. Todas as noites ele sentava-se e fumava o seu cachimbo. A sua mulher ficava junto à lareira onde por vezes declarava poemas quando não ouviam rádio. E ele olhava-a com muita ternura e o seu sorriso iluminava a sala cada vez que ela falava. E balançando escutava a voz suave e doce da sua mulher.
A casa cresceu, vieram as crianças, os choros, as noites sem dormir, as brincadeiras e os risos, mas com a felicidade de ver as crianças a crescer e a viver num ambiente de paz e amor.
Como elas adoravam-me e brigavam pela minha atenção. Todas queriam o meu balanço e nunca se cansavam. E sentavam-se ao colo do pai que contava histórias de encantar.
Os anos passaram, as crianças cresceram e deixaram de me dar importância. Agora, as suas atenções concentravam-se nos namoros e nas amizades.
Vive lágrimas de tristeza quando o filho faleceu na guerra.
Vive lágrimas de alegria quando a sua única filha casou.
E o meu amigo, esse, continuava a sentar-se todas as noites e a fumar o seu cachimbo. E balançando escutava a voz suave e doce da sua mulher.
Os anos passaram e as crianças regressaram àquela casa. O meu amigo e a sua mulher eram avós. Mas que alegria entrou naquela casa. E como amavam e mimavam aquelas crianças.
E mais uma vez, as crianças disputavam a minha atenção. E eu balançava e balançava… como eu era feliz e adorava cada momento!
Mas uma noite tudo mudou. O meu amigo nunca mais iria sentar-se e fumar o seu cachimbo. Apenas ficou o silêncio. E com o passar do tempo fui esquecida e abandonada numa cave, num canto escuro e húmido.
Os anos passaram, quantos não sei, mas um dia alguém reparou em mim. Como estava velha, suja e rangia ao mais pequeno toque. Duas pessoas pegaram em mim e levaram-me para cima. Fazia tanto tempo que não via a luz do dia. Tive receio. Quem seriam aquelas pessoas? Não me lembro! Onde está a mulher do meu amigo? Passou assim tanto tempo? Levaram-me a um restaurador. Limparam, envernizaram e colocaram um veludo novo, e fiquei como nova. Sentia-me tão vaidosa!
Foram-me buscar quando fiquei pronta. Para onde me levariam? Estava ansiosa. Parecia uma adolescente quando sai a primeira vez com o namorado.
Entrei em casa, sim, naquela que sempre chamei-a de minha e colocaram-me perto da janela mas não muito distante da lareira. E a minha nova amiga tocou-me ao de leve e fez-me balançar, sorriu e com os olhos cheios de ternura virou-se para a sua companheira e disse: “Vês amor, não te disse que era linda?”
Inesperadamente aquele sorriso e a sua voz me suscitaram lembranças. Sim, lembranças do sorriso do meu amigo e da voz suave e doce da sua mulher. E a partir daquele momento senti que estava de novo em casa fazendo parte daquela família.


Texto: Smile – Com um português mais ou menos razoável ;-)
Foto: Retirada da Net

11 comentários:

Anónimo disse...

Muito bonito o texto. Para além de eu adorar cadeiras de baloiço, achei particular importância a cadeira ter sido restaurada e acabar envaidecida de si mesma. Quanto ao toque e afago, ainda bem que esta tem sido uma cadeira de sorte, que fica sempre com gente que gosta de a fazer balançar :)
Beijo.

lisse disse...

Gostei muito da história. Da forma como tu a contas e do seu final...

Uma cadeira, é sempre uma peça importante, dentro dos nossos dias. Suporta o nosso peso, aquece no nosso calor, sabe os nossos estados de espirito, ouve os nossos segredos, conhece os nossos vicios e adivinha os nossos pensamentos...
Quantas fantasias e sonhos, começam e crescem, numa cadeira de baloiço. Ou, quantas vezes, as lágrimas se tornaram menos amargas...

Fiquei presa,tocada, ainda mais, naquele final "...tocou-me ao de leve e fez-me balançar, sorriu e com os olhos cheios de ternura virou-se para a sua companheira..."
Universo feminino - em três corações - a baloiçar e a partilhar a ternura.

E porque de afecto e ternura falamos,

o carinho do meu abraço e o desejo de uma noite em que as estrelas sorriam.

By Me disse...

O texto está magnífico! Há objectos com os quais criamos laços afectivos.
Se as cadeiras falassem...e segredos desvendassem! Havia de ser lindo!
O texto também remete para o valor de restaurar aquilo que se degrada.
Há tanto património que necessita de limpeza ...
E faz-me pensar nos velhos que mesmo com toda a sua experiencia são marginalizados e colocados de lado.É preciso que alguém os acompanhe ao médico e outras necessidades básicas para que possam ver os netos crescer.E morrerem com a dignidade de uma cadeira muito especial.
Beijos voadores

O Profeta disse...

Fantástico texto...


Doce beijo

Angel disse...

Um mimo esta tua história..muito bem imaginada..cheia de sentimento...beijinhos cheios de Sonhos para ti..

fiel.jardineira disse...

Excelente este teu texto! Para mim a moral da historia é a necessidade da busca da companhia e do amor. É a companhia do amor que nos faz felizes, venha ele de um homem, das crianças ou de uma mulher...Onde há amor há felicidade, e contagia os outros à nossa volta... Bjs vizinhais

fiel.jardineira disse...

PS- tens um desafio no meu jardim, se puderes aceitar ;)
Bjs vizinhais

Fernanda disse...

Uma bela história para contar junto à lareira,...por exemplo, na noite de Natal.

Era certamente uma prenda inesquecível...:))

Gostei muito do teu conto de Natal...:))

Smile disse...

Olá amigas e amigo
Muito obrigada pelas vossas lindas palavras. Adorei cada palavra vossa e cada interpretação do texto.
Que bom que gostaram… eu, quem nem sou muito de escritas… acho que estava num dia inspirador. :-)
Bjs para vcs e um Sorriso Enorme

AlmaAzul disse...

Muito bom! Ainda agora dizia a um amigo que uma boa produção (literária) teria que ter inevitavelmente um bom fim, na minha opinião. Aí está um bom exemplo!
Obrigada, pela partilha. Gostei dos sentimentos que provoca e claro do fim. :)

Smile disse...

AlmaAzul
Eu é que agradeço a tua visita e o comentário.
Que bom que gostas-te. :-)
Bjs