quinta-feira, 25 de março de 2010

A Cadeira



Lembro-me tão bem quando me vieram buscar. Ainda tinha o aroma fresco da madeira e do verniz e o veludo suave ao toque de cada mão.

Colocaram-me perto da janela, mas não muito distante da lareira. E a partir daquele dia tornei-me parte da família. Todas as noites ele sentava-se e fumava o seu cachimbo. A sua mulher ficava junto à lareira onde por vezes declamava poemas quando não ouviam rádio. E ele olhava-a com muita ternura e o seu sorriso iluminava a sala cada vez que ela falava. E balançando escutava a voz suave e doce da sua mulher.

A casa cresceu, vieram as crianças, os choros, as noites sem dormir, as brincadeiras e os risos, mas com a felicidade de ver as crianças a crescer e a viver num ambiente de paz e amor. Como elas adoravam-me e brigavam pela minha atenção. Todas queriam o meu balanço e nunca se cansavam. E sentavam-se ao colo do pai que contava histórias de encantar. Os anos passaram, as crianças cresceram e deixaram de me dar importância. Agora, as suas atenções concentravam-se nos namoros e nas amizades. Vive lágrimas de tristeza quando o filho faleceu na guerra. Vive lágrimas de alegria quando a sua única filha casou. E o meu amigo, esse, continuava a sentar-se todas as noites e a fumar o seu cachimbo. E balançando escutava a voz suave e doce da sua mulher. Os anos passaram e as crianças regressaram àquela casa. O meu amigo e a sua mulher eram avós. Mas que alegria entrou naquela casa. E como amavam e mimavam aquelas crianças.

E mais uma vez, as crianças disputavam a minha atenção. E eu balançava e balançava… como eu era feliz e adorava cada momento! Mas uma noite tudo mudou. O meu amigo nunca mais iria sentar-se e fumar o seu cachimbo. Apenas ficou o silêncio. E com o passar do tempo fui esquecida e abandonada numa cave, num canto escuro e húmido.
Os anos passaram, quantos não sei, mas um dia alguém reparou em mim. Como estava velha, suja e rangia ao mais pequeno toque. Duas pessoas pegaram em mim e levaram-me para cima. Fazia tanto tempo que não via a luz do dia. Tive receio. Quem seriam aquelas pessoas? Não me lembrava delas! Onde está a mulher do meu amigo? Passou assim tanto tempo? Levaram-me a um restaurador. Limparam, envernizaram e colocaram um veludo novo, e fiquei como nova. Sentia-me tão vaidosa! Foram-me buscar quando fiquei pronta. Para onde me levariam? Estava ansiosa. Parecia uma adolescente quando sai a primeira vez com o namorado. Entrei em casa, sim, naquela que sempre chamei-a de minha e colocaram-me perto da janela mas não muito distante da lareira. E a minha nova amiga tocou-me ao de leve e fez-me balançar, sorriu e com os olhos cheios de ternura virou-se para a sua companheira e disse: “Vês amor, não te disse que era linda?” Inesperadamente aquele sorriso e a sua voz me suscitaram lembranças. Sim, lembranças do sorriso do meu amigo e da voz suave e doce da sua mulher. E a partir daquele momento senti que estava de novo em casa fazendo parte daquela família.

Texto: Smile

Foto: Desconheço o/ autor/a


4 comentários:

G. disse...

Senti-me parte da história! Eu era uma das crianças que disputava a atenção da cadeira de baloiço, adoro baloiçar!
Se tudo correr bem, um dia vou estar a baloiçar num alpendre a ver o pôr do Sol ou o nascer do sol! :-)

Gostei muito desta pequena história, que nos fala de AMOR!

Mais uma vez dou-te os parabens! continua a explorar esta tua veia! :-)

João Roque disse...

Será que desconheces mesmo?
Está belíssimo este texto.

Texto e Voz disse...

bem legal seu blog..um abraçoo

Smile disse...

G. :-)
É isso mesmo, fala de amor de todas as maneiras :-)
Amor, respeito, compreensão ;-)
Muito obrigada pelas tuas palavras :-D
Beijoquitassss e smiles ;-)

Pinguim
Eu adoro candeiras de baloiço, mas esta não conheço :-)
Obrigada por achares o texto bonito :-)
Beijinhos

Navegantes da Net
Obrigada pelo comentário e pela presença.
Volta sempre.
Bjs